Orelha - Nilton Bonder

Manoel Affonso de Mello, Izabella Lucena e Nilton Bonder
O estudo da tenacidade e determinação do povo judeu ganha neste trabalho uma dimensão profundamente humana. Isso porque ao focar no conceito de “resiliência”, mira na capacidade adaptativa pelo viés psicológico e sociológico. A produção de ideais e objetivos perenes está relacionada não só à capacidade de produzir conteúdos e significados, mas também estruturas organizacionais competentes como receptáculo dessa essência.

Há 10 anos o líder espiritual máximo do Tibet, o Dalai Lama, convidou um grupo de rabinos entre os quais fui incluído, para compartilhar os “segredos” da manutenção da identidade diante do desafio da aculturação e da dispersão.  Desse diálogo foi destacada a ênfase na educação, o intercâmbio entre as gerações, a habilidade de significar e resignificar e o olhar esperançoso de um futuro redentor. Todos estes são elementos fundamentais da resiliência.

Entre os símbolos que refletem a auto-imagem resiliente do judeu é relevante a inclusão do “ovo cozido” entre os alimentos típicos da celebração da Páscoa judaica. O “ovo cozido” representa os escravos judeus que diante da opressão de seu tirano endureceram ainda mais seu moral e sua determinação na medida em que este “aquecia-intensificava” seu sofrimento.  Tal metáfora de resiliência é o conteúdo desse importante trabalho pontuado de História e Cultura que nos oferece Izabella Lucena. Sua intenção inédita é avaliar esta qualidade humana de resistir e adaptar -- presente na experiência judaica e em condições tão limítrofes -- no contexto das organizações comunitárias.

A qualidade do trabalho de pesquisa e análise abre caminho não apenas para a reflexão acerca da experiência específica dos judeus, mas tem uma abrangência universal. Como evidenciado pelo interesse dos Tibetanos e diante de uma humanidade que se vê frente a profundos desafios de sobrevivência nas próximas décadas e séculos, o estudo desse fenômeno é uma contribuição importante.

Um livro que aponta do particular ao universal e interessa a todos os que buscam reverter situações de ameaça e desafio em novas possibilidades.  Um mosaico que entrelaça instinto e arte, sobrevivência e ação e promove a vida. E não poderia ser mais simbólico que essa obra partisse do Recife onde a comunidade judaica da atribulação de expulsa e desterrada no episódio da Invasão Holandesa se resgata fundando nada menos do que uma Nova Recife que por seus caminhos se chamou Nova Iorque.
Rabino Nilton Bonder